O Moinho de Vento da Graciosa: breves notas para a definição de uma trajetória social

Moinho de Vento da Graciosa
Os moinhos de vento existentes na ilha Graciosa inscrevem-se, na sua maioria, na tipologia “Moinho de Torre” – moinho com corpo troncocónico em alvenaria de pedra com cobertura giratória de madeira. Este tipo de moinho foi implementado nos Açores no decorrer do século XIX, tendo sido desenvolvido primeiramente na ilha de São Miguel. Antes deste período, o processo de moagem era garantido pelas atafonas – moinhos de tração animal – e pelas azenhas – moinhos de água. Na ilha Graciosa, dada a inexistência de cursos de água, não existiram moinhos de água; existiram sim, dezenas de atafonas integradas como anexos em casas rurais abastadas, distribuídas por todas as localidades da ilha e utilizadas muitas vezes em regime de partilha comunitária.
O chamado “moinho de torre” que pontua a paisagem da ilha Graciosa é resultado da fusão e adaptação de elementos morfológicos e/ou mecânicos dos moinhos flamengos e ingleses: torre troncocónica e cúpula com duas formas predominantes – semiovóide com bico (típico dos moinhos de vento da Graciosa) ou piramidal de secção octogonal (típico dos moinhos de vento da ilha de São Miguel). A cúpula semiovóide com bico, por seu turno, é claramente de influência inglesa – designada originalmente de Oggy Shaped Cap – característica dos moinhos da região de Lincolnshire (região centro oeste de Inglaterra).

Moinho de Vento da Graciosa
A localização dos moinhos de vento obedecia a uma estratégia assente em dois parâmetros – proximidade com a população e altitude. Deste modo, os moinhos eram construídos sobre uma base circular murada a pedra designada por eira ou terreiro. A sua localização na periferia das localidades permitia o fácil acesso dos clientes e a altitude, por seu turno, uma exposição mais eficaz aos ventos.
O Moinho de Vento das Fontes, por exemplo, polo museológico do Museu da Graciosa, apresenta um tronco cónico fixo em alvenaria de pedra constituído por dois pisos. A cobertura é feita por uma cúpula de madeira giratória cuja rotação, em sintonia com a orientação dos ventos, é acionada pelo rabo do moinho e facilitada por uma calha interna e oculta que assenta sobre o topo do tronco do moinho. O rabo do moinho, por seu turno, está amarrado por corda ou corrente aos malhais de pedra, também designados por macacos ou espias de travamento. Este tipo de moinho apresenta uma altura média de seis metros e o seu diâmetro na base oscila entre os cinco e os seis metros. A sua cúpula tem a configuração semiovóide e o velame ou armas é composto por quatro grades retangulares de réguas e travessas de madeira onde são aplicados os panos com forma idêntica.
O piso térreo servia a função comercial – podemos encontrar o tabuleiro ou caixão que recebia a farinha conduzida através do cano ou calha desde o andar superior, bem como acessórios vários: sacas, medidas de pesos, balanças, e o insubstituível búzio que, ao ser soprado, indicava aos “fregueses” que o moinho estava pronto a moer. Este piso e as imediações da eira eram habitualmente pretexto de sociabilização e ponto de encontro para os locais.
O piso superior é preenchido pelo “coração” do moinho – todo o mecanismo de moagem ou moenda – e dada a exiguidade do espaço, era frequentado apenas pelo moleiro. O moinho de vento foi recebendo em cada ilha contributos vários tendo em vista a melhoria contínua do seu funcionamento. Através do engenho e talento de mestres locais, o moinho de vento da Graciosa, desenvolveu, a título de exemplo, um sistema de travão diferente do “moinho de torre” da ilha de São Miguel – sistema de picota – mais eficaz e mais leve de acionar do que o sistema de roldana.
Os moinhos de vento da Graciosa contribuíram muito para a subsistência dos habitantes da ilha, garantindo, em conjunto com as atafonas, a transformação do grão em farinha, valorizando, por conseguinte, o produto final. Testemunharam, assim, um período de excecional produção de cereais na Graciosa – sobretudo cevada, trigo e milho. No entanto, ao longo da segunda metade do século XX foram experienciando um crescente abandono funcional – por um lado devido à redução drástica da produção de cereais na ilha e, por outro, devido ao surgimento da moagem a motor introduzida na ilha nas últimas décadas do século XX. De entre os 28 moinhos identificados na ilha Graciosa (dados de 2008), boa parte encontra-se recuperada mas cumprindo novas funções – alojamento turístico. Atualmente, é possível encontrar ainda um moinho a operar ocasionalmente na ilha apesar de não se encaixar na tipologia mais representativa descrita acima – trata-se de um “moinho de poste”, na localidade de Fontes, periferia de Santa Cruz, vizinho do Moinho de Vento do Museu.
Texto: Fábio Mendes, Museu da Graciosa